Voto NÃO É currículo!

(E você não precisa rasgar seu título eleitoral!)

Foto por Element5 Digital em Pexels.com

Um momento de eleição é um momento um pouco estranho na democracia.

Por quê?

Porque é um momento em que a pessoa que vota é obrigada – e no Brasil, como o voto é obrigatório, todos somos obrigados, em tese – a escolher entre opções impostas a ela. (Até dá pra argumentar que as opções não são “impostas”, pois de certa forma é a sociedade que “escolhe” os candidatos, coletivamente, mas acredito que as pessoas no geral sentem que não têm nenhum papel nessa escolha, e dada a forma que funciona a seleção de candidatos, muitas vezes realmente não têm.)

Ou seja, eleições são momentos de exceção: ao mesmo tempo não são tão democráticas (no sentido descrito acima), mas são os momentos que garantem o exercício da democracia no sentido de que permitem que o povo, através do voto, troque seus governantes.

Cada cidadão fica apenas com a obrigação de escolher candidatas ou candidatos que nunca serão “perfeitos” – pois o único candidato perfeito para uma pessoa seria ela mesma – ou escolher não votar em ninguém e deixar que a escolha seja feita pelo restante da população. Lembrando que, na prática, não votar em ninguém não funciona como protesto, mas como um voto de confiança em quem vota no vencedor da disputa.

No final das contas, a escolha de alguém em quem votar acaba sendo muito mais uma questão de consenso pessoal do que de concordância total. Escolhemos assuntos importantes pra nós e vemos qual candidato parece pensar mais parecido com a gente. É uma decisão muito mais aleatória do que parece, porque depende de sentimentos, contextos pessoais, histórico social, conhecimento, acesso a e consumo de informação. Não é exagero dizer que acaba sendo uma escolha bem arbitrária.

Tudo isso pra dizer que, se você é daquelas pessoas que tem vontade de rasgar seu título de eleitor na época eleitoral, não há necessidade de se sentir mal. Vote em quem você considerar melhor para o momento e esqueça do seu voto. A partir do momento que ele foi dado, ele fica no passado. De nada ele te define como pessoa no âmago e no íntimo da sua personalidade, pois você, como todas as pessoas, é um universo em si próprio, infinitamente complexo, que provavelmente não compreende totalmente nem a si mesmo, imagine então o tamanho do erro quando outras pessoas se arrogam o direito de dizer que te compreendem com base num único ato que você foi obrigado a realizar, um simples e pontual voto. Muito mais importante que votar é cobrar resultados e posturas de quem recebeu seu voto em linha com o que essa pessoa te prometeu em campanha. E isso, infelizmente, quase ninguém faz.

Nós ainda temos uma democracia jovem e uma população muito focada em julgamentos e competições pessoais. Ainda tratamos a política e o governo, a coisa pública, como se fosse algum tipo de disputa em que é possível haver um vencedor e um perdedor. E essa é uma característica explícita de imaturidade política. Precisamos amadurecer muito, e pra isso é preciso ter muita paciência histórica: insistir, insistir, insistir, ao longo de muito tempo, conversar muito, esperar muito, levar muitos socos e ao mesmo tempo segurar muitos socos (talvez só dar alguns pequenos petelecos, de vez em quando). É necessário que existam e continuam surgindo muitas pessoas dispostas a isso, ao longo de décadas, séculos, que se prestem a dar um passo atrás e tentar ir fundo em suas próprias questões, para tentar também ter diálogos verdadeiros com quem está ao redor, independentemente das ideologias. É necessário construir pontes, e pontes são construídas com muita cautela e paciência. E é necessário que a comunicação geral entre as pessoas (todas as conversas, debates, rodas de amigas e amigos, mesas de bar, reuniões profissionais, de confraternização, todas as mídias, TV, rádio, redes e mídias sociais) sejam preenchidas por essas pessoas que cada vez compreendem melhor o verdadeiro valor do diálogo e da compreensão no lugar da disputa e da segregação.

Julgar-se, ser julgado e julgar os outros exclusivamente por um voto é uma ignorância, e digo ignorância no sentido de que ao fazermos isso, mostramos que ignoramos, desconhecemos o verdadeiro significado do voto e da democracia. Uma população politicamente madura compreende que esses julgamentos para nada servem além de atrapalhar e deformar o próprio processo democrático e intoxicar os relacionamentos entre pessoas e coletivos.

Um voto é apenas um voto, um ponto no tempo que fica para trás assim que foi realizado. A importância do resultado de uma eleição não é nada comparada à importância dos momentos posteriores a ele, quando a população e os governantes que estão no poder aceitam a decisão da maioria e faz-se uma transição pacífica de poder. Essa é a grande vitória da democracia: a transição de poder sem violência e sem derramamento de sangue.

Vote em quem quiser com a consciência tranquila, não importa se a pessoa que receber seu voto seja uma pessoa de quem você não gosta. Não é uma questão de escolher alguém perfeito – até porque isso não existe –, é uma questão de escolher quem você, e apenas você, considera melhor, naquele momento, entre as opções que te deram. E guarde seu título de eleitor, porque você precisará dele de 2 em 2 anos, e quanto mais consciente for o seu voto, mais essencial ele será!

Por Luiz Augusto Ferreira Araújo

Um comentário sobre “Voto NÃO É currículo!

  1. Achei interessante e heterodoxa sua mirada e análise. Bastante consistente seu ponto de vista.
    Gostei muito.
    Quanto a meu título de eleitor, este será aposentado este ano. Cansei!

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